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Entrevista com Maria João Viamonte
29-01-2018

Maria João Viamonte, ligada ao ISEP há mais de 20 anos, como docente, investigadora e em funções de gestão, candidata-se à Presidência da Escola. Com um vasto conhecimento da instituição acredita na importância da valorização dos nossos estudantes, docentes e funcionários não docentes, e na relevância de tornar o ISEP na escola em Portugal que mais e melhor empregabilidade proporciona aos seus estudantes. Caso a candidatura tenha sucesso será a primeira mulher eleita para gerir a instituição.

  • Porque decidiu candidatar-se à Presidência do ISEP?

Estou há 8 anos na vice-presidência do Conselho Técnico-científico, que é um dos órgãos que mais intervém no dia-a-dia da Escola, na vida das pessoas que a constituem e que tem uma grande interação com entidades externas. Esse cargo tem-me dado muita satisfação pessoal e profissional, além de experiência e de um conhecimento profundo sobre a realidade da Escola e que eu sinto que devo aplicar.

Quando chegou o momento de refletir sobre o que queria e poderia fazer a seguir, a candidatura à Presidência do ISEP tornou-se o passo óbvio, porque me sinto preparada e muito motivada para a exercer, mas acima de tudo porque acho que posso retribuir, com valor, todo o investimento que o ISEP tem feito em mim ao longo destes mais de 20 anos, como docente, investigadora e em funções de gestão.

  • Quais as suas perspetivas para a valorização dos profissionais que integram a comunidade institucional, incluindo os corpos docente e funcionários não docentes, bem como os estudantes?

A missão mais básica e mais nobre de qualquer escola é contribuir para a valorização dos seus estudantes, se possível em todas vertentes, e explorar todo o seu potencial.

A questão é saber como é que se consegue isso, particularmente dentro de um sistema de ensino tão regulado e numa instituição pública que é afetada por limitações financeiras e outros constrangimentos nas carreiras dos docentes e dos funcionários não docentes, pois são necessárias pessoas motivadas e competentes que possam contribuir para a prossecução dessa missão.

Acredito que, mesmo com as referidas limitações, é possível combinar os ‘ingredientes’ disponíveis, e o ISEP tem muitos e bons, para produzir uma boa ‘receita’ que contribua para que todos se sintam mais valorizados, motivados e envolvidos na missão de fornecer as melhores ferramentas aos nossos estudantes, para que estes consigam ‘navegar’ com sucesso nestes tempos de tanta incerteza social e profissional.

Contarei com o contributo de cada um para materializar estas ambições, pois todos seremos necessários para ajudar o ISEP a vencer os desafios que enfrenta.

  • De que formas pretende fomentar a qualidade do ensino?

O ISEP, nos últimos anos, fez um trabalho meritório na certificação de grande parte dos seus cursos, sendo hoje uma das instituições de ensino superior em Portugal com mais certificações.

No entanto, hoje em dia, em face dos desafios que a educação enfrenta em quase todo o Mundo, as principais perguntas que se colocam são:  o que é um ensino de qualidade? A acreditação e a certificação são suficientes para o definir? O que devemos e como devemos ensinar para que os estudantes venham a ser profissionais com empregabilidade e bem-sucedidos? Hoje é difícil prever que profissões existirão daqui a meia dúzia de anos, pois existem vários mercados em completa revolução e até disrupção. Ora isto é um desafio enorme para qualquer instituição de ensino superior, mas também é um desafio aliciante. Não nos podemos iludir, o ensino da engenharia não é imune a este desafio.

A pergunta que me coloco todos os dias é como devemos ensinar para que os nossos estudantes saiam melhor preparados para ter uma vida profissional longa e profícua. Embora não tenha todas as respostas para esta pergunta, tenho a convicção que preparar os estudantes para integrarem equipas multidisciplinares, possuírem uma base sólida para poderem exercer diferentes profissões ao longo da vida e terem experiências internacionais, serão mais-valias neste ambiente económico tão instável. O ISEP tem muitas valências que, bem combinadas, podem preparar estudantes para a vida que os espera. Temos também algumas ideias para criar condições para aumentar as experiências internacionais dos Estudantes do ISEP.

Teremos que inovar no ensino da engenharia, incorporando outras valências para lá da engenharia através da interação com outras escolas que as possuam.

A famosa máxima do Professor Abel Salazar, "o médico que só sabe medicina nem medicina sabe", também se aplica ao engenheiro. A complexidade atual das profissões implica que os engenheiros sejam mais flexíveis e preparados para lidar com outras áreas. Se for eleita empenhar-me-ei em promover esta interação com áreas complementares, pois acho-a essencial para a valorização dos estudantes. 

Também cá dentro, pretendo fomentar uma maior interação e colaboração entre os vários departamentos do ISEP a todos os níveis.

Como docente, sinto estes desafios como entusiasmantes. Como candidata a Presidente, sinto uma enorme motivação por poder vir a ter um papel ainda mais ativo num momento tão interessante e desafiante para o ISEP.

  • A investigação científica e os projetos ligados ao mundo industrial assumem particular importância para o ISEP. Neste contexto, como tenciona promover a criação de mais conhecimento de excelência e com suscetibilidade de transferência para a sociedade em geral?

A impossibilidade regulatória dos Politécnicos lecionarem programas doutorais limita-nos na investigação científica, mas também na interação com o mundo industrial, em comparação com as Universidades. Temos que ser criativos e explorar outras possibilidades, principalmente através do apoio aos centros de investigação para que captem mais financiamento através de projetos internacionais e para que incrementem a cooperação com a indústria. O ISEP tem que ser mais agressivo a promover-se e a divulgar as suas competências científicas e tecnológicas junto da indústria.

Temos muito a fazer e a aprender para ajudar a gerar e a promover startups criadas por estudantes, docentes, investigadores ou uma combinação de todos eles, usando conhecimento desenvolvido no ISEP. Estas organizações oferecem emprego qualificado, permitem uma experiência profissional variada e internacional que, mesmo quando não são bem-sucedidas, robustece a capacidade profissional de uma forma incrível. São também organizações muito eficazes a ligar o meio académico com o empresarial, fazendo circular o conhecimento entre esses meios de forma acelerada.

No entanto, onde eu acredito que podemos contribuir com valor numa maior aproximação à indústria é explorando a nossa vocação principal, o ensino.  Neste caso contribuindo para melhorar um dos indicadores em que Portugal está pior posicionado: a formação ao longo da vida. Temos já várias experiências que têm sido um sucesso. Os laboratórios colaborativos, recentemente criados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, podem ser um instrumento muito útil para alargar esta experiência.

  • O ISEP tem vindo a apostar na sua internacionalização. Que ideias gostaria de apontar para o crescimento deste campo? E ao nível da participação em projetos de relevância além-fronteiras?

Uma escola de ensino superior enfrenta hoje os mesmos desafios que qualquer organização. Tem que se promover e ter visibilidade para crescer. Entendo que temos que pensar e desenhar uma estratégia de comunicação e promoção, consistente e moderna, direcionada a alvos prioritários, como por exemplo a diáspora. Neste sentido os Alumni no estrangeiro são, na minha opinião, os primeiros a quem devemos recorrer, reforçando a relação com a escola que os formou e solicitando-lhes que nos ajudem a aceder às redes empresariais e institucionais onde se movem.

Há que ter consciência que não podemos ser excelentes em tudo e que a concorrência internacional é enorme. Por isso, temos que nos focar no que somos realmente muito bons e ser ousados, pois o confronto internacional trará ainda mais conhecimento, experiência, networking e visibilidade.

Para estimular a participação em projetos de relevância além-fronteiras deve ser feita uma análise interna às áreas onde o ISEP tem conhecimento de excelência a nível internacional. Depois, com a ajuda dos centros de investigação, investigadores e parceiros, temos que identificar projetos internacionais e calls a que nos possamos candidatar contribuindo com propostas de valor diferenciadoras.

  • Quanto à melhoria da qualidade de vivência nos espaços existentes, que soluções tem em mente?

Quando se olha para a evolução e discussão constante sobre qual deve ser o layout e quais devem ser as condições dos escritórios das empresas para melhorar o bem-estar ou a produtividade, temos de nos questionar se uma escola também não deve repensar os seus espaços, com objetivos semelhantes.

Entendo que devemos analisar e refletir sobre o que pode ser feito para que as salas de aula, os gabinetes dos docentes e investigadores e os locais onde trabalham os funcionários não docente se transformem em espaços onde as pessoas se possam realizar e sentir bem.

Em alguns locais, por exemplo, pequenas modificações na iluminação e na insonorização poderão representar uma grande melhoria, mas noutros, as intervenções poderão ter de ser mais profundas.

Os espaços de circulação merecem também uma reflexão, pois, se bem pensados, organizados e tratados, poderão ajudar na interação entre estudantes e docentes e numa melhor ligação entre os vários departamentos, devendo-se, se possível também dessa forma, fomentar a necessária multidisciplinariedade.

Um aspeto que entendo essencial melhorar é a sinalética e semiótica de toda a Escola. Deve ser fácil a todas as pessoas circular no ISEP e descobrir como chegar onde pretendem, particularmente os que nos visitam, fazendo-os perceber dessa forma que somos uma escola organizada e eficiente.

Temos como objetivo converter o ISEP num smart campus, de preferência com soluções que sirvam de montra para os muitos e bons resultados da I&D da Escola e dos seus centros de investigação.

  • Indubitavelmente, uma das caraterísticas que contribuem para a notoriedade do ISEP é a capacidade de gerar receitas próprias. Assim sendo, de que modo pretende assegurar a nossa sustentabilidade financeira?

A sustentabilidade financeira consegue-se com uma gestão criteriosa, rigorosa e transparente dos orçamentos.

O ISEP, como todas as instituições de ensino superior público, depende de decisões e receitas do Estado. Nos últimos anos, as primeiras nem sempre têm sido consistentes com o que se negoceia ou divulga; as segundas têm sofrido as consequências dessa inconsistência. Olhando para a situação financeira do país não me parece que no futuro esta situação se vá alterar.

Por outro lado, a estrutura de custos de uma instituição como o ISEP é muito rígida. Neste aspeto o que pode ser feito é tentar-se rentabilizar a estrutura, aumentar-lhe a produtividade, através da reorganização dos recursos, dentro do que os quadros legais em vigor nos impõem.

Como tenho tentado transmitir nesta entrevista a nossa estratégia passa por aumentar as receitas próprias de forma consistente, pois só dessa forma teremos margem para fazer as escolhas e investimentos que necessitamos.

A liberdade e a autonomia são essenciais para nos mantermos como uma Escola de excelência no panorama nacional.

  • Onde poderemos chegar daqui a uma década?

À velocidade a que a sociedade e a economia se têm estado a movimentar, ainda para mais no contexto de uma instituição pública de um país como Portugal, que ainda está numa posição frágil do ponto de vista económico e financeiro, é muito difícil prever onde poderemos chegar em 10 anos. Temos que ser humildes e sérios, dependemos de muitos fatores que não controlamos diretamente.

Posso é deixar a minha visão para o ISEP: ser a Escola em Portugal que mais e melhor empregabilidade proporciona aos seus estudantes. Acredito ser um objetivo possível e vou-me empenhar em motivar todos e cada um dos membros da nossa comunidade para alinharem nesta visão, com ambição, pois só será possível se todos se envolverem e ´remarem para o mesmo lado’ de forma sincronizada.

  • Que aspetos considera cruciais ao nível da distinção do ISEP face aos seus pares?

Há muita discussão pública sobre o que são ou deviam ser os papéis das universidades e politécnicos. Até há quem considere que as universidades são a ‘casta’ mais relevante do ensino superior. Eu entendo que não devemos perder tempo a lamentar-nos, mas sim aproveitar todas as vantagens de sermos uma instituição de ensino politécnico.

Estamos muito perto dos empregadores, ouvimo-los e sabemos o que os preocupa. Levamos isso em consideração na definição dos nossos planos de estudo. Podemos ajudá-los a contratar as pessoas com as skills que pretendem, mas também a reconverter ou melhorar os quadros que já possuem e fazê-lo em horário pós-laboral.

Hoje ter uma licenciatura ou um mestrado é essencial, mas não é suficiente para se ter sucesso ou obter uma remuneração interessante no mercado de trabalho. Há que ser multidisciplinar, possuir soft e hard skills, saber comunicar e integrar-se socialmente. Ora, o ISEP tem uma enorme flexibilidade e variedade de oferta quando comparada com outras escolas de engenharia nacionais. É uma escola de ‘banda larga’. Temos de explorar esses elementos diferenciadores na nossa proposta de valor para os estudantes e, a jusante, para os empregadores.

O ISEP tem que combater o abandono e o insucesso escolar, pois há muitos estudantes que não terminam os seus cursos. A melhor forma de combater esta situação é assegurar que os estudantes sentem que se terminarem os seus estudos a sua situação profissional será melhor do que se os interromperem. Há um trabalho relevante a ser feito em relação a este tema, que, se bem-sucedido, poderá melhorar a vida dos estudantes e a posição da Escola. Para isto, uma colaboração ativa com a Associação de Estudantes é essencial.

  • Por último, mas não menos importante, quer deixar algumas palavras sobre a sua equipa?

Para além da evidência de que ninguém consegue nada sozinho, eu sou uma crente de que várias pessoas juntas e alinhadas valem mais do que a soma das partes. Por isso, a constituição da equipa foi a minha primeira e mais importante tarefa quando me decidi candidatar à liderança do ISEP.

A capacidade da equipa ditará sempre as escolhas, as decisões e a execução, pelo que tive todo o cuidado na escolha dos elementos, que em boa hora aceitaram acompanhar-me.

Realço que no ISEP existem muitas pessoas qualificadas para fazerem parte de uma Presidência bem-sucedida, sendo a escolha sempre difícil, principalmente com um número limitado de cargos para atribuir. Há que fazer escolhas e elas têm sempre subjetividade. 

As pessoas que convidei para a minha equipa cumprem critérios que para mim são essenciais:

  • Todos têm a convicção de que os interesses da Escola, como um todo, são mais importantes do que qualquer uma das suas partes, e, por isso, irão atuar de forma agregadora e livre;
  • Todos têm uma ética profissional elevada;
  • Todos têm demonstrado grande competência na gestão da Escola, em diferentes cargos, com diferentes responsabilidades, ao longo dos últimos 10 anos;
  • Todos se complementam na capacidade para enfrentar os desafios internos e externos que nos afetam;
  • Todos são jogadores de equipa, com a consciência que temos de nos entreajudar para além das responsabilidades específicas de cada um;
  • Todos são auto motivados, têm uma energia fantástica e uma vontade de servir o coletivo, o que é muito importante, pois a exigência do cargo e o sacrifício da vida pessoal são enormes;
  • Todos complementam as minhas limitações, normais quando se tem de lidar com tantos e tão diversos dossiers.

Por último, existe empatia entre todos, que é para mim o ‘cimento’ de qualquer relação coletiva de sucesso. Não tenho qualquer dúvida que esta equipa poderá servir o ISEP e cumprir o programa que nos propomos implementar de forma extraordinária.